E fez Deus o firmamento, e separou as águas que estavam debaixo do firmamento das águas que estavam sobre o firmamento.
1. Introdução
Gênesis 1:7 continua o processo de ordenação iniciado nos versículos anteriores, detalhando a ação de Deus ao estabelecer uma fronteira definida entre diferentes corpos de água. Este versículo destaca a capacidade divina de separar e estruturar o caos primordial, organizando o cosmos de forma meticulosa e intencional.
2. Contexto Histórico, Cultural e Literário
Histórico:
O relato se insere num contexto do Antigo Oriente Próximo, onde as narrativas cosmogônicas costumavam explicar a criação por meio de conflitos entre forças caóticas. Diferentemente desses mitos, o texto bíblico apresenta um Deus que, com autoridade, impõe ordem e estabelece limites claros, demonstrando Seu controle absoluto sobre o universo.
Cultural e Religioso:
Na tradição hebraica, o ato de separar e nomear os elementos da criação revela a importância de conferir identidade e propósito a cada aspecto do cosmos. Ao dividir as águas em duas categorias – as que ficam abaixo e as que se encontram acima do firmamento –, o Deus de Israel reforça a ideia de que tudo na criação possui um lugar e uma função definidos.
Aspectos Literários:
A estrutura deste versículo, com a fórmula “E fez Deus” seguida do comando de separação, segue o padrão de ordenação presente em toda a narrativa da criação. Essa concisão narrativa evidencia a regularidade e a harmonia do plano divino, onde cada ação se articula para transformar o caos em um sistema ordenado e inteligível.
3. Exegese
“וַיַּעֲשׂ אֱלֹהִים אֵת הָרָקִיעַ” (Vaya'as Elohim et haraqia – “E fez Deus o firmamento”):
O termo hebraico “רָקִיעַ” (raqia), geralmente traduzido como “firmamento” ou “expanse”, denota um espaço estendido e sólido que serve para separar e sustentar. Ao criar o firmamento, Deus não apenas estabelece um teto para o mundo, mas também delimita os espaços que serão habitados, marcando uma divisão essencial no cosmos.
“וַיַּבְדֵּל, בֵּין הַמַּיִם, אֲשֶׁר מִתַּחַת לָרָקִיעַ, וּבֵין הַמַּיִם, אֲשֶׁר מֵעַל לָרָקִיעַ” (Vayyavdel, bein hamayim asher mitachat laraqia, uvein hamayim asher me'al laraqia – “e separou as águas que estavam debaixo do firmamento das águas que estavam sobre o firmamento”):
Esta parte do versículo enfatiza o ato de separação. Deus estabelece uma fronteira clara entre as águas inferiores – que podem ser associadas aos oceanos e lagos que formam a base da terra – e as águas superiores, possivelmente referindo-se à umidade ou à ideia de uma "água celestial". Essa distinção é fundamental para a organização do mundo, pois determina áreas de funcionamento e confere uma estrutura definida à criação.
4. Implicações Teológicas
Autoridade e Soberania de Deus:
O ato de separar as águas pelo firmamento demonstra a autoridade absoluta de Deus na organização do universo. Cada divisão estabelece que nada acontece por acaso; tudo faz parte de um plano divino meticulosamente estruturado.
Organização do Cosmos:
Ao separar as águas, Deus institui limites e cria domínios distintos dentro do cosmos. Essa ação reflete um princípio de ordem, onde cada elemento possui um lugar determinado e uma função específica, contribuindo para a harmonia global da criação.
Manifestação do Propósito Divino:
A divisão das águas simboliza a intenção de um universo ordenado, no qual os opostos – o que está abaixo e o que está acima – são definidos para colaborar na formação de um sistema coerente e funcional. Esse princípio fundamenta a ideia de que a criação é fruto de uma vontade deliberada, voltada para a construção de um cosmos harmonioso.
5. Aspectos Filosóficos
Dualidade e a Natureza dos Opostos:
A separação das águas ilustra a importância dos opostos para a compreensão plena de cada um. Assim como a identidade do dia se torna significativa por contraste com a noite, a distinção entre as águas inferiores e superiores revela que o conhecimento e o significado emergem da diferenciação entre elementos que, por si só, não teriam a mesma clareza.
Metafísica do Ser e do Não-Ser:
A criação do firmamento e a subsequente divisão das águas suscitam questões sobre como a ordem se estabelece a partir do caos. Por meio do comando divino, o “ser” – representado pela organização dos elementos – surge do “não-ser” ou da matéria indistinta, configurando uma lógica de ordenação que se impõe à realidade.
Organização como Base do Conhecimento:
O estabelecimento de limites, como a separação das águas, é fundamental para a estruturação do conhecimento. Definir fronteiras permite a compreensão e o discernimento, destacando que a clareza e a ordem são essenciais para a revelação da verdade no universo.
6. Aplicações Práticas e Reflexões Contemporâneas
Criação de Estruturas e Limites:
O modelo divino de separar e organizar elementos serve de inspiração para a importância de estabelecer limites claros em nossas vidas. Seja na organização pessoal, social ou profissional, a definição de fronteiras é crucial para promover a ordem e a eficácia.
Promoção do Equilíbrio e da Harmonia:
A ação de dividir as águas demonstra que a harmonia nasce da capacidade de impor ordem ao caos. Essa lição pode ser aplicada para buscar o equilíbrio em meio às incertezas, enfatizando a necessidade de estruturas que permitam o crescimento e o desenvolvimento sustentável.
Inspiração para a Inovação e a Criatividade:
Assim como Deus utilizou o firmamento para transformar um estado caótico em uma estrutura organizada, a criatividade humana pode encontrar inspiração na ideia de que a inovação surge quando conseguimos estabelecer limites e organizar o que inicialmente parece sem forma, transformando desafios em oportunidades de progresso.
7. Conclusão
Gênesis 1:7 revela um momento crucial na narrativa da criação, em que Deus, por meio da instituição do firmamento, separa as águas superiores das inferiores, organizando o caos primordial em um sistema ordenado. Essa ação demonstra a autoridade e a sabedoria divinas, estabelecendo os fundamentos de um cosmos estruturado, onde cada elemento possui um lugar e uma função definidos. A análise dos termos originais, combinada com as implicações teológicas e os aspectos filosóficos, convida-nos a refletir sobre a importância dos limites e da organização na formação da realidade. Assim, o versículo não apenas descreve um evento cósmico, mas também simboliza princípios universais que inspiram a ordem, o equilíbrio e a clareza em nossa própria experiência de vida.